Caro recrutador

#27 Sobre voltar ao mercado de trabalho sendo mãe.

Tu trabalha ou só dá aula?

Foram quase dez anos atuando como professora, organizando grade curricular de cursos inteiros, traduzindo material em línguas que não são minhas nativas, criando plano de aula, plano de ensino, plano de fuga para perguntas da vida pessoal, até site de universidade já tive de me meter a fazer, em plena pandemia, enquanto gerava outro ser humano dentro do meu próprio corpo “tô aqui desenvolvendo um pequeno pé ao mesmo tempo que crio tutorial sobre plataformas online” para, no fim do dia, ter de ouvir essa maldita pergunta: tu trabalha ou só dá aula?

Eis que, após 42 semanas, minha filha nasceu. Deixei o meu “pseudo” trabalho de lado por um ano e meio para me dedicar à ela em tempo integral. Continuei ouvindo a mesma pergunta.

Tu trabalha ou só é mãe?

Diferente de uma profissão, onde é possível mudar quando necessário, ser mãe é realmente ser. Não dá pra deixar de ser. Nem quando a gente quer. Quem sabe esse seja um dos inúmeros motivos de não encararem a maternidade como um trabalho. Um baita trabalho, diga-se de passagem. Um trabalho desafiador. Maravilhoso também, mas que exige tanto estudo e dedicação que deixa qualquer vaga de CEO de multinacional parecer um retiro de férias.

Se já é difícil cuidar da própria vida, imagina ser responsável por outro ser humano? Uma outra vida que, literalmente, precisa de você para sobreviver nos primeiros anos.

Ainda assim, é comum em ambientes de trabalho optarem por não contratarem mães. Porque se o filho fica doente, porque tem que buscar o filho na escola, porque vai que engravida de novo, porque vai diminuir a performance, porque blá-blá-blá. Sem contar que foram elas as mais afetadas durante a pandemia. Como se cuidar de uma criança fosse tarefa única e exclusiva das mulheres. Um dom. Algo natural.

Neste momento, enquanto recomeço minha vida profissional em um novo país, passando horas lendo descrições de vagas com palavras difíceis para tarefas simples, fiquei curiosa para entender como seria se montasse uma carta de apresentação focando apenas nas habilidades adquiridas sendo (e trabalhando como) mãe. Aqui está:

Caro recrutador,

Atualmente atuo na área de Gestão de (mini)Pessoas, com foco em desenvolvimento humano.

Minha principal função é gerenciamento de projeto (ou, como é bonito dizer “Project management” — em inglês tudo parece mais qualificado e chique, não?) com dedicação exclusiva, 24 horas por dia, sete dias por semana, sem férias nem banco de horas. Tenho experiência em trabalhar em um ambiente de ritmo acelerado e sob pressão.

Entre minhas habilidades estão multitasking, paciência, planejamento de tarefas, organização, criatividade, comunicação eficaz com foco em resultados e tradução simultânea de línguas exóticas e raras.

Me destaco por executar as tarefas do dia a dia com uma mão só (enquanto a outra sustenta o que, de fato, é importante — literalmente), ou caminhando com 10 kg em torno da perna (exercitar o corpo traz benefícios para a pessoa e, consequentemente, para o trabalho, não é?), apesar da privação de sono.

Lidero um time em constante transformação, o que me torna uma pessoa adaptável para lidar com os desafios diários. Estou sempre buscando novas referências e recursos para me aprimorar cada vez mais nesta área.

Estou cursando a quarta fase de Maternidade com ênfase em socorro, não são nem oito da manhã! Tenho especialização em nutrição infantil, Design de jogos, composição musical, literatura infantil bilíngue, atuação teatral, dança contemporânea, comunicação não violenta e respiração profunda.

Agradeço a consideração.

Atenciosamente,

Munike Ávila (mãe da V.)

Você, que é mãe, se identificou com alguma dessas características? O que mais adicionaria ao seu currículo? Escreva nos comentários ou respondendo esse e-mail. Vou adorar saber!

Conhece uma mãe que possa se identificar? Compartilhe com ela! :)

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Lembrando que neste domingo acontecem as eleições e o governo Bolsonaro cortou verba de ações para mulheres em até 99% no Orçamento de 2023. Vote consc13nte. Beijos e bom fim de semana!