Sou filha de mãe que transformou um bifão em almôndega e pai que já usou óculos de mergulho para cortar cebolas. Portanto não é de se espantar que levei anos até acertar o ponto de um simples ovo cozido.
Minha habilidade culinária, até então, se resumia em macarrão com molho pronto e pizza congelada. Esse foi o motivo que fez com que meu marido aprendesse a cozinhar de tudo, num nível master chef: seu medo de passar fome.
Mas com o início da pandemia, a cozinha se tornou presença constante em minha vida. A mesa de jantar passou a ser meu escritório e, por isso, encarava o forno diariamente. Decidi me render e começar uma nova relação com o dito cujo.
Arrisquei aprender a fazer algo teoricamente simples: bolo. Iniciei no nível principiante comprando farinha pronta de bolo — basicamente um bolo instantâneo. Era só colocar ovo, fermento, mexer e assar. O que poderia dar errado?
No meu caso, tudo. Tudo dera errado. A começar pela modalidade de aquecimento do forno — eu escolhi torta e não bolo. Xinguei os designers de botões de forno que não pensam nas pobres almas que só usam a opção genérica por segurança (é igual shampoo para todos os tipos de cabelo, não tem erro). Podiam ao menos legendar para quem não é fluente em desenho cool de comida. “Desenho cú, isso sim!”, vociferava em meio a cozinha.
Mas o ápice do desastre foi ter colocado fermento biológico de pão, no bolo. Não cresceu. E ainda deixou um gosto esquisito. Meu companheiro disse que nem estava tão ruim assim. Chegou até a comer a fim de me dar um apoio. Um verdadeiro coach para fracassos culinários. Eu continuava frustrada com o pseudobolo, mas minha teimosia era ainda maior.
Tentei, então, cozinhar um bolo do zero com qualquer receita de internet. 2 xícaras de açúcar, 1 xícara de farinha, blá-blá-blá. “Que tamanho de xícara?” me perguntava, considerando que aqui em casa temos uns três tipos diferentes, todas para mesma finalidade: café. Se existe botão específico para bolo, fermento específico para bolo, é certo que também exista uma xícara de medições específica para bolos. Mas como não a encontrei na Amazon, concluí que isso ainda não fora inventado.
Por tal razão, minha busca semanal no Google se resumia a “conversor de medidas culinárias". As xícaras viravam gramas, as colheres, mililitros e as pitadas eu desconsiderava da equação porque aí era demais pra mim.
Os programas de culinária também não me ajudavam muito. “Aqui vai uma receita simples com coisas que você tem na sua geladeira. Você vai precisar de essência de baunilha, leite de coco, castanhas das montanhas do Nepal, ostras portuguesas, cogumelos azuis…”. Ou então “Receita simples de 5 minutos” e o vídeo levava 30 minutos, sem contar os outros 30 em que a pessoa repete pra assinar o canal e se inscrever aqui embaixo.
Desisti da internet e corri para quem sempre tem as respostas para tudo: minha avó. A mulher é capaz de diagnosticar febre interna sem termômetro, vermes sem exame e anemia sem nem ter diploma de medicina. E —pasme — ela consegue fazer qualquer receita utilizando qualquer tipo de xícara sem errar na quantidade. Aposto que já ousou até medir ingredientes com um copo. Uma gênia da culinária.
Já que não podíamos nos ver, começamos a trocar receitas no zap. Ela me passou receitas simples e possíveis de fazer com o que realmente tinha na minha geladeira — ovo, farinha, manteiga e alguma fruta. Para minha alegria, os bolos começaram a ficar com gosto e cara de bolo de verdade.
Agora, toda vez que tiro um bolo quentinho do forno, sinto que estou subindo as escadas da casa da minha avó, ouvindo sua voz gritar “vem, Nike, tem bolo!”. Isso nenhuma receita de internet pode me proporcionar.
Do mesmo modo que sou capaz de ouvir sua gargalhada alta caçoando um bolo que não saiu como planejado, e isso a internet não só pode como dá um jeito de me entregar em forma de áudios longos de nove minutos (onde 8 deles são rindo e 1 respirando).
Porque minha avó também é capaz de passar o dia inteiro contando piadas inéditas com a devida explicação caso você não tenha entendido (e caso tenha entendido, idem) e tem a habilidade de achar graça nas pequenas coisas.
Por sorte, entre a maestria na cozinha e a arte de rir de si mesmo, herdamos a segunda opção.
Se minha avó tivesse rodas ela seria uma bicicleta
Senhoras e senhores, com vocês, the one and only, Gino:
🎬 Gordon, Gino & Fred’s Roadtrip
Não vejo graça em assistir programas de competição culinária. Mas gosto daqueles em que é possível viajar para um local e conhecer a cultura através da comida. Com humor então, é um prato cheio pra mim.
E é exatamente isso que os chefs Gordon Ramsay, Gino D'Acampo e Fred Sirieix fazem, viajando em uma van por vários países.
É possível assistir trechos da série aqui.
Ah que maravilha de texto!!! Obrigada por expor a farsa da indústria de marketing culinária baseada em vídeos bonitos de pessoas que fazem isso há 20 anos e dizem que é só uma receita simples de panqueca 😬teu bolo tá lindo, assim como a redução de blocos <3