Então é natal
#12 E o que você fez? Eu fui atrás de panetone. Sobre tradições e primeiras vezes.
Nasci e cresci celebrando o natal na noite do 24 de dezembro com toda a família — pai, mãe, irmãos, avós, tios, primos, e, claro, sempre uma pessoa desconhecida que é namorado de alguém e a gente tem quase certeza que nunca vai ver de novo, por isso nem me dou ao trabalho de decorar o nome. Um natal caloroso que essa época do ano proporciona no Brasil. Chinelo no pé e cerveja na mão. Cantoria, comilança e marmelada no amigo secreto. Um clássico.
Mas, de uns anos pra cá, meu natal tem sido bem diferente. Pantufa no pé, vinho na mão e uma mesa pra dois. Carne para poder compartilhar com os cachorros. Panetone de sobremesa, que na Itália nunca é ruim. Até o mais ruim dos panetones é delicioso — e olha que sempre torci o nariz pra esse doce que não é nem pão nem bolo. Esta se tornou nossa tradicional véspera de natal há cinco anos.
Até o presente natal. Que foi sem presente, mas cheio de primeiras vezes: primeiro natal com um bebê, o que significa ter de ser celebrado durante o dia 25, já que a noite do 24 decidi aproveitar as poucas horas de sono que tenho. Primeiro natal vendo a neve pela janela, que resolveu voltar justamente ontem. Primeiro natal com uma árvore (de verdade) enfeitada de luzinhas. Um combo White Christmas estilo Esqueceram de Mim, porém sem deixar a criança sozinha em casa cercada por ladrões pois não somos irresponsáveis e aqui é mais fácil ter a casa cercada por cervos. Também foi o primeiro natal sem panetone.
Não por falta de tentativa. Trouxemos um panetone na mudança, mas é óbvio que ele não durou nem 15 dias em cima da mesa. Abri para comer um pedacinho em uma manhã e dois dias depois - puft - acabou panetone. A partir daí consideramos, inclusive, cancelar o natal de 2021. O peso da rotina as vezes nos atropela e é mais fácil não fazer planos para além do essencial — tentar arrumar a casa, cuidar de outro ser humano, tentar ir ao banheiro sozinha, tentar lavar o cabelo em banhos de um minuto, caminhar com uma criança pendurada na perna, socorro marido me ajuda aqui ela tá cagando na banheira! — Enfim, sobreviver. Tudo isso enquanto me adapto a um novo país, novo idioma, novos lugares comuns, novas pessoas.
Não sei se foi a neve, as luzes da cidade ou as casas decoradas. A tal magia do natal tomou conta de mim e ontem saí a caça de um panetone. Peguei metrô, subi e desci ladeira na cidade de gelo, congelei as mãos e nada de achar um mísero pão com frutas secas. Fosse na Itália, era só passar em qualquer mercado a meia noite do dia 24 que encontraria prateleiras cheias deles. Já aqui, tudo que consegui foi aprender uma nova palavra no idioma local: färdig. Acabou. O milagre de natal não aconteceu.
E tudo bem para quem não acredita em milagres. Este natal veio para lembrar que tradições podem mudar de acordo com o tempo, as circunstâncias e suecos sedentos por panetone. Que momentos marcantes requerem, muitas vezes, grande esforço e é importante tentar. É deles que iremos recordar no futuro, não da louça que ficou na pia. E que os dias voltarão a ficar mais iluminados. Lá fora e aqui dentro. Sobretudo aqui dentro.
Aqui também foi de muito AU AUUUUU kkkkkkkkkkk Feliz natal família!