Idiomas inusitados que podem nos salvar na primeira consulta ao pediatra
#02 Sobre conhecimentos que não servem pra nada, até se provarem o contrário.
Na vida existem dois tipos de mãe: a que bate foto de cada cocô do recém-nascido e a que esquece de comprar fraldas. Para a surpresa de ninguém, eu faço parte da segunda categoria.
Confirmei minha teoria ainda na primeira semana como mãe de recém nascido, na fatídica visita ao pediatra. Saí de casa levando o bebê e seus documentos, convicta de que tinha tudo que precisava nas mãos.
Mas ao chegar no hospital ouvi um barulhinho, seguido de um cheiro nada agradável saindo de minha filha. Caceta! Tinha esquecido de arrumar a mochila para casos de emergência que, como todos sabem, só acontecem quando não estamos devidamente preparados. Não bastasse, a criança resolveu dar um belo regurgito sujando a roupa. E para completar, começou a dar sinais de que era hora de mamar — de novo!
Assim me encontrava na área de espera do hospital, fingindo costume com um bebê cagado, vomitado e começando a chorar de fome. Esse, aliás, foi o dia que conheci a famosa Lady Murphy.
Para minha sorte, o consultório contava com fraldas e passei ilesa pela falta de prática. Foi o que pensei até a enfermeira abrir uma torneira e dizer que eu deveria limpar minha filha ali.
Fiquei olhando para aquilo com cara de dúvida. Arrisquei fazer o que parecia óbvio. Fui aproximando aquela bundinha lisinha e suja em direção à pia, quando de repente a mulher me olha espantada e exclama:
— Que diabos a senhora está fazendo?
Congelei. Não sei se por claramente estar perdida ou por ter sido chamada de senhora antes de ter completado 31 anos.
— Sei não, moça, em casa eu faço diferente. Coloco ela deitadinha no trocador e limpo com lenços umedecidos — respondi.
— Pois é assim oh, vou te ensinar — ela disse, enquanto colocava o bebê no meu ombro, pendurado apenas por uma perna, e me dava uma esponja para passar no seu bumbum.
Lá estava eu, fazendo malabares com minha recém nascida, torcendo pra que ela não escorregasse de minhas mãos. Para minha surpresa, ao invés de chorar, minha filha de sete dias apenas me fitava, confirmando que também estava achando aquilo tudo muito esquisito, mas quem eramos nós para contradizer a enfermeira, não é?
Após a consulta — enquanto eu tentava colocar o tip top na velocidade da luz, sem sucesso, é claro — iniciou-se uma série de perguntas.
— Quantas vezes você dá de mamar por dia?
Não bastasse eu dar o peito em livre demanda, ainda tinha que contar?
Usei todo meu conhecimento de cálculo no idioma aborígine onde 1 é 1 e mais de 1 são “muitos" e fui logo dizendo:
— Muitas vezes!
— Muitas quantas? 10? 12?
— Por aí — chutei, sem me preocupar já que o bebê estava ganhando peso regularmente.
— Quantas fraldas você troca por dia? — a enfermeira pergunta à mãe que claramente ainda estava aprendendo a colocar fraldas, quem dirá quantificá-las.
— Muitas, muitas!
— Senhora, você tem dificuldades em entender italiano? — ela ousou me dizer, com ar de desprezo.
— Não — respondi — A senhora por acaso tem dificuldades em entender aborígine?
Uma semana depois, me encontrava novamente na mesma sala de espera — agora devidamente munida com uma mochila cheia de fraldas e roupas limpas para qualquer emergência — que, obviamente, não acontecera.
Tentei me preparar para a sequência de perguntas sobre as mamadas, durante o dia anterior, mas me perdi na conta e desisti. Se eu mal tinha tempo para lavar o cabelo, quem dirá criar uma planilha no excel para um bebê que acabou de nascer.
Enquanto a pediatra consultava o bebê nu, me pediu uma fralda para cobrir o xixi que estava pra sair. Naquela hora eu tive mesmo foi vontade de perguntar que tipo de magia ela usava para adivinhar quando essas surpresas aconteciam, já que só naquela semana eu levara um banho umas três vezes.
Mas, novamente, fingi costume, peguei a fralda na mochila e aproveitei a deixa de mãe muito bem preparada para avisar que o cordão umbilical tinha caído.
— E quando caiu? — ela indagou.
Porca miséria! Foi quando mesmo? Quinta? Vou chutar quinta-feira.
— Que bom! No tempo certo — ela respondeu.
Eu sorri. Depois fiz as contas e descobri que tinha sido num sábado. Mas, antes de me sentir uma mãe incompetente, chequei o calendário etíope e por lá o dia 27 de fevereiro caía mesmo numa quinta-feira. Portanto, errada não estava, né?
Um mês depois, chego na consulta com a pediatra oficial. Uma mãe segura, que conhecia seu bebê como ninguém. Cada choro, cada movimento, cada posição. Trocando fralda e roupas de olhos fechados.
Entrei de cabeça erguida, peito estufado. Determinada. Pronta para qualquer questionamento.
— Então, senhora, primeiramente temos que preencher alguns dados aqui sobre a sua família. Com quantos anos seu marido descobriu que tinha miopia?
Não-pode-ser! Olhei ao meu redor procurando a câmera escondida. Esperei uns segundos alguém entrar pela porta do consultório gritando “é pegadinhaaa! Olha lá pra câmera, mande um beijo para sua mãe” estilo João Cléber. Nada. O tempo passava no ritmo em que a doutora batia a caneta na mesa, já impaciente com meu silêncio.
— E allora?— ela pressionou.
Dane-se! Nada mais poderia me abalar. Respirei fundo e respondi:
— Muitos!
As ilustrações utilizadas neste texto são da artista madrilena Carola Cara de Bola.
📚 What língua is esta
Este livro traz uma série de crônicas engraçadas sobre as várias facetas da nossa querida língua portuguesa. Sérgio Rodrigues nos faz refletir sobre como o idioma muda e se adapta, muito antes e além do polêmico acordo ortográfico.
O livro é tão bom que resistiu a um banho inesperado de uma onda da praia de Estoril, em Portugal, minutos após eu o adquirir - lá em meados de 2013. Se eu estava lendo na beira do mar? Não. Estava caminhando de calça, tênis e casaco pela plataforma à, no mínimo, cinco metros acima do mar. Obviamente neste dia eu também não contava com minha mochila para emergências.
🎬 A história do palavrão
Ah, os palavrões. Essas expressões capazes de quebrar o gelo — ou a cara — entre pessoas de diferentes regiões. Levamos anos para decorar o verbo to be, mas aprendemos rapidinho a falar f*ck! E quem já conversou com gringo sabe, alguém sempre vai perguntar como se xinga no bom e velho português.
A história do palavrão é uma série original do Netflix, apresentada por Nicolas Cage (devidamente botocado* e com uma barba que não parece real). Episódios curtos de vinte minutos com pesquisadores da área de linguagem e comediantes tornam essa série divertida e didática.
*É assim que eu chamo uma pessoa que fez botox. Você também costuma inventar palavras?
🎶 Pata Pata
Quem aí já não ouviu a canção “tá com pulga na cueca, quem vem me coçar”? Ela é a versão brasileira da música “Pata Pata" da cantora sul-africana Miriam Makeba.
Mama África, como era conhecida, não cantava músicas apenas para divertir e dançar, mas trazia mensagens políticas contra o apartheid, o que fez com que ela fosse proibida de voltar a sua terra por trinta anos.
Pata, no idioma xhosa, significa “Toca”. Mas a música que fazia sucesso em tempos onde todo mundo podia mesmo dançar de mãos dadas, hoje ganha uma nova versão em algumas regiões da África: No Pata Pata. A nova canção serve para ajudar a combater o corona vírus e tem versos como:
“Precisamos manter as mãos limpas para não-Pata Pata. Não toque no seu rosto, mantenha a distância por favor e não-Pata Pata”.
Mais de dez anos após sua partida, o legado de Miriam continua fazendo a diferença.
🧐Mais conhecimentos que não servem pra nada, até se provarem o contrário
Em Papua-Nova Guiné se falam cerca de 850 línguas diferentes, tornando-se o país com maior número de idiomas do mundo. Seu tamanho é menor que o estado da Bahia.
Fica aí a informação para você usar quando e como quiser.
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Adorei a história da consulta, morri de rir :) obrigada por compartilhar