Aconteceu há pouco. Fazia anos que não passava por tal situação. Mesmo com as olheiras cada vez mais marcadas, os fios de cabelo branco despontando e o carrinho de bebê — com um bebê dentro. Aparentemente nada disso era convincente. Pediram minha identidade ao comprar bebida alcoólica.
E nem foi aquela compra disfarçada de adolescente no mercado — papel higiênico, barra de chocolate, pacote de ar com cinco batatas ruffles, uma lata de cerveja no meio — certo que a pessoa do caixa não irá reparar. Não. Foram três litros de vinho e duas cervejas. Só. Até porque para comprar o bom e velho álcool na Suécia é preciso ir até uma loja específica que vende apenas isso. Não se encontra vinho nas prateleiras do mercado, a não ser que você considere vinho sem álcool, vinho. (eu considero suco de uva ruim).
Abri um sorriso para mulher que me questionou, não sei se por achar aquilo cômico ou por me sentir jovem, e mostrei minha identidade que registrava 1990 no ano de nascimento. A década em que crianças dançavam na boquinha da garrafa, assistiam banheira do Gugu e ao Valter Mercado repetir compre batom compre batom em plena manhã de domingo, como se tudo isso fosse normal e adequado para mini pessoas que ainda nem sabiam limpar a própria bunda.
Lembro da última vez em que me confundiram com uma pessoa menor de idade. Era 2016. Estava em Ra’anana, Israel. Fui comprar pão em uma vendinha e o caixa, muito simpático, me ofereceu um pirulito de graça. Eu, muito tola, aceitei, até notar que ele fazia isso apenas com crianças. Dei de ombros e saí feliz com um pirulito na mão. Não por gostar do doce, mas porque recusar coisas boas de graça quando adulto é um desrespeito a categoria.
Foram inúmeras as ocasiões que tive de provar minha idade — para comprar bebida alcoólica, entrar em balada, alugar carro e até cruzar fronteiras. Certa vez um policial me fez mostrar diversos documentos com meu nome e data de nascimento porque não era possível aquela garotinha viajando sozinha ter em torno de 24 anos. Cadê os pais dessa criança, gente?
E quando não sou confundida com uma criança, sigo aparentando ser mais jovem. Aconteceu em Malta, num quarto só para garotas, onde uma americana e uma australiana no auge dos 18 anos, discutiam sobre os caras bonitos que iam pegar e não é pra isso que se viaja pela Europa? Pensei, com meus meros 30 e bem casada, que então viajara errado esse tempo todo. Olhei para a senhora que ocupava a cama debaixo e me dei conta de que minha idade era mais próxima da dela do que daquelas garotas. Disfarcei e segui em silêncio achando graça no papo e mais ainda em passar despercebida por elas.
Devo isso a genética. A ausência de rugas vem de família. Até pouco tempo atrás confundiam minha mãe com minha irmã. Eu nem irmã tenho. Também sou uma magricela. E isso devo ao meu pai. O único homem que depois de casado emagreceu. O fato que na nossa família ninguém se dá bem com as panelas contribui para tal biotipo, mas nem com xis salada a semana inteira a gente engorda. Além do mais, sou uma nanica. Daquelas que se há apenas eu e mais uma pessoa em um show, essa pessoa será mais alta que eu e ficará exatamente na minha frente, tapando toda a visão do palco. (pessoas baixas entenderão do que estou falando).
Esse conjunto de características não me ajudou em nada quando tinha vinte e poucos anos e queria beber em paz, dirigir por aí ou assistir a um filme que continha palavrões. E quando achei que essa fase já tinha virado história, eis que precisei fazer um plano de saúde. Recebi uma ligação urgente do atendente desejando confirmar umas informações, aparentemente, estranhas.
Mais de trinta anos, 1,56 de altura, um filho e apenas quarenta quilos? moça, acho que você preencheu errado os dados.
Passei um tempo o convencendo de que estava tudo ordem, não tenho nenhum problema de saúde e não perdera peso nos últimos meses — a não ser que você considere a fase em que eu carregava outro ser dentro da barriga. Cheguei ao grande marco de 50kg, com uma pança enorme e o resto do corpo magrelo. (um charme, só que não.) Tenho a impressão que algumas pessoas achavam que eu era uma criança carregando uma bola de basquete escondida debaixo da jaqueta.
Pois a bola de basquete já está com 16 meses, caminhando na velocidade da luz, confundindo idiomas e, também, confundindo as pessoas que acham ela mais jovem do que de fato é, tal qual sua mãe. Nessas horas eu olho para minha garotinha e penso filha, tomara que você nunca esqueça a carteira de identidade quando for pra balada longe de casa, porque ser barrada na porta é uma merda.
📻 60 Songs that explain the ‘90s
Se você, como eu, cresceu nos anos 90 e gosta de música, é provável que se identifique com esse podcast. Não sou uma consumidora frequente de podcasts, mas esse ganhou meu coração e muitas horas da minha semana desde o início do ano. De forma descontraída, Rob Harvilla conta a história das músicas, bandas e gêneros musicais que marcaram a história dessa década. Devo admitir que já não ouço algumas músicas da lista da mesma forma, sem lembrar os detalhes ou prestar atenção em cada palavra. Tipo a “romântica” Crash Into Me do Dave Matthews Band ou You Oughta Know da Alanis Morissette. (O podcast é em inglês)
Você escreve maravilhosamente.... consigo ver todas as cenas e as suas expressões.... quem dera mais jovens tivessem esse talento... parabéns!!!!