Um saca-rolhas. Foi tudo que encontramos nas gavetas do primeiro apartamento que alugamos em Milão. A cozinha era composta de geladeira, fogão elétrico de uma boca só e mais nada. Parecia pouco, mas foi o que deu pra arranjar no primeiro mês como jovens imigrantes sem contratos nem contatos.
Rimos. Dois meses antes de abrir aquela gaveta, estávamos em um supermercado num canto de Israel procurando garrafas de vinho para levar ao acampamento em meio ao deserto. Tínhamos esquecido um detalhe crucial: o bendito saca-rolhas. A solução foi investir em garrafas com tampa de rosca e suportar o gosto de xarope daquela birita.
Um vinho que mais parecia Novalgina.
Ao usar o “novo” saca-rolhas, notamos um dentinho torto, dificultando qualquer tentativa de fazer jus à sua única função. Quem sabe este fora o motivo de ter sido abandonado ali. Mas dava pro gasto. Foi o objeto mais útil naquele mês de incertezas e inquietações.
Um vinho para esfriar a cabeça.
“Quando tivermos uma casa pra chamar de nossa, a gente compra um melhor” — repetíamos. Por precaução, decidimos levar o dito cujo na mudança de apartamento, sem prever que ele seria essencial para nossa sobrevivência, já que o proprietário esqueceu de ligar o gás em pleno início do inverno europeu, nos deixando sem aquecimento e água quente.
Um vinho para esquentar nossos corpos.
“Logo a gente troca” — dizíamos toda vez que usávamos o tal saca-rolhas. Três apartamentos depois, ele continua a habitar a primeira gaveta da cozinha — agora com forno, fogão, pratos e panelas.
Um vinho para celebrar conquistas.
De tempos em tempos, ele circula por momentos importantes, abrindo garrafas para comemorar a promoção no emprego, a chegada de um novo cão ou apenas para acompanhar uma pizza. Também foi o protagonista de um ano insólito.
Um vinho como rota de fuga.
Por alguns meses, tive de o deixar de lado. Não porque quebrou ou não mais funcionava. Mas porque me tornei casa, e nela álcool não entrava. Ao atravessar a porta com um pacotinho nos braços, lá estava ele me esperando em cima da mesa.
Um vinho para brindar vida nova.
Seu dentinho está cada rolha mais torto. Ainda assim já não discutimos se trocá-lo por um novinho em folha. Preferimos passar trabalho abrindo garrafas e lembrar das histórias que ele carrega.
Um saca-rolhas como memória.
Estamos novamente de mudança. Dessa vez para bandas mais distantes e frias. Das panelas, pratos e talheres fizemos pouco caso. Já o saca-rolhas, está guardado na mochila.
Um vinho para abraçar recomeços.
🎬 Italy: love it or leave it
Esse filme mostra a jornada de um casal italiano pelo país, tentando decidir se ficam ou vão embora da Itália. Enquanto Gustav mostra os problemas que existem aqui, Luca vai atrás dos motivos que fazem valer a pena ficar. Um documentário bem legal para entender sobre os diferentes aspectos dessa terra que me acolheu por tantos anos e que chamo com carinho de casa.
Fiquei curiosa, qual o destino dessa pirata espacial e desse saca rolhas heim? :D
Ah que demais!!!!!!!!!!!!!!! :D ótima mudança de ares para vcs!