Algo que não contam a gestantes e mães de primeira viagem é que devemos aprender uma nova língua repentinamente. Não estou me referindo a tradução simultanea dos diferentes choros do bebê. Isso é fichinha. Tô falando sobre o idioma secreto da maternidade, em que o uso de siglas aumenta na mesma proporção da barriga, deixando qualquer Start up — e mães que não gostam de abreviações — no chinelo.
Veja só, até então meu repertório siglístico se resumia em "WTF" (do Inglês, what the fuck), "PQP" (do Português, puta que pariu), "FDS" (do Cringe, finds). Ou seja, maturidade zero para ser mãe startupêra. Mas era tarde demais. O teste já resultara positivo.
Ainda estava me acostumando a nova contagem de tempo em semanas, quando apareceu a primeira sequência de consoantes que me fez soar frio: DPP. Segundo os obstetras "data prevista para o parto".
Isso é o que eles dizem. Mas toda gestante sabe que essa é a sigla internacional para "Data em que as Pessoas Piram" (do português), "Day People Panic" (do inglês), "Data in cui le Persone diventano Pazzi" (do italiano) — e eu poderia passar horas aqui escrevendo em idiomas que mal conheço e juro pra você daria certo.
A DPP é o período entre a 37a e 40a semana de gravidez em que todo mundo ao seu redor tem um surto de ansiedade e você já não sabe mais quem realmente está esperando o bebê. É você ou são eles? Tal qual uma criança em viagem de carro, as pessoas não se cansam de perguntar: já nasceu? E agora? E agora? E agora? (segue num loop infinito).
Vinha me sentindo o máximo pois tinha dominado a arte de converter semanas em meses, por compaixão a quem perguntava, quando passei a ouvir os seguintes questionamentos: "vai ser PN, PC, PNH ou PD?"
PÊ O QUE?!
Não sabia que a gente tinha que escolher partido até na gestação, eu pensava, atônita. Mas para não passar vergonha, usava a velha tática do "vai ser o que tiver de ser né", na maior cara de pau fingindo costume, para logo em seguida jogar no Google que diabos eram aqueles Pês.
Parto normal, parto cesariana, parto normal humanizado e parto domiciliar. Não à toa, o bebê nasceu antes mesmo de eu conseguir decorar essa longa lista — e olha que minha gestação durou o tempo limite permitido.
Com minha filha nos braços, contente que toda essa confusão tinha enfim acabado, eis que surge ele: o RN.
Minha mente, de saco cheio de siglas, fez pouco caso do problema e logo associou RN a Rick e Renner. Não faz nenhum sentido, eu sei, afinal Rick e Renner formam RR. Mas ao ver aquele RN pensava: quem é Renner sem Rick? Assim passei a ler coisas como "o sono do seu Rick e Renner", "os primeiros dias de vida do seu Rick e Renner", "seu Rick e Renner nasceu, e agora?"
E não para por aí! Ontem mesmo fiquei horas tentando decifrar que diabos era "LM LD"*. Leonardo e Marrone teriam formado uma nova dupla sertaneja? Alguma substância do ácido tava em falta? Lucy não foi mais pro céu, só ficou com os diamantes?**
Agora estou entrando na fase de oferecer comida ao bebê e sei mais sobre Inteligência Artificial do que sobre Introdução Alimentar, já que o artigo "a nova era da IA" estava deveras interessante e por isso o algoritmo do Google acha que eu me atraio mais por robôs do que por comida — o que não deixa de ser verdade.
Cansada de quebrar cabeça com mais um idioma, resolvi ir direto ao ponto e fui falar com outras mães experientes.
— Quero usar aquele método de introdução alimentar onde a criança descobre a comida com as mãos e tal.
— BLW.
— WTF?
— BLW é o que você quer apresentar ao seu bebê.
— ô moça, tô falando de comida, não de k-pop.
— BLW é o método de IA que você está buscando para seu RN!
— PQP!!!!
*Vou poupar você da reflexão e adiantar as colinhas: RN é recém nascido e LM LD é leite materno livre demanda. Eu, como mãe, sei da falta de tempo que temos — não sobra nem pra cagar em paz — mas sou daquelas que ainda tem mais apreço pela palavra do que pelo vaso. Make palavras great again — e o great aqui é no sentido literal.
**em referência a música dos Beatles Lucy in the sky with diamonds
📚 É sobre maternidade mas não é só para mães
Se você gosta ou está procurando uma leitura leve e descontraída sobre esse universo paralelo chamado maternidade, aqui vão duas dicas:
Escrever uma árvore, plantar um livro, de Cris Guerra. Delicado, leve e tocante. Crônicas sobre ser mãe e ser filha também.
Mãe perfeita não tá mais se usando, de Roberta Ferec. Daqueles livros pra ler em uma sentada. Roberta conta histórias sobre a vida com três filhos nesse mundão afora. Tem coisa que não dá nem pra acreditar, tipo espantar jacaré no jardim de casa. Para dar boas risadas.
📻 50 Crises
Grana, tatuagem, viagem, casa, casamento, maternidade e outras crises humanas estão entre as pautas desse podcast escrito por Cris Guerra onde ela chama gente comum pra refletir sobre o assunto. É como abrir a porta de casa, puxar a cadeira da cozinha e compartilhar um café. Você nem vê o tempo passar e depois fica pensando um bocado sobre a conversa.