Vai e vem
#03 Primeiras experiências pós lockdown. Coisas para fazer no embalo de uma rede.
A trouxe na mochila na primeira visita ao Brasil. Só coube ela e o passaporte. Poderia ter escolhido entre roupas, tênis e outras coisas de uma caixa de quem um dia fui, mas já tinha me reinventado com novas coisas de vestir. Rede não encontrava por aqui. Não aquela com cheiro de infância, gosto de areia, toque de maresia.
O problema é que no novo apartamento ela não coube. Não foi por falta de tentativa. Teve de ficar guardada em outra caixa, de novo, junto às memórias tecidas em cada fio.
Brincar de voar na infância, de chacoalhar os primos dentro. “Cadê? Achou!”. Ficar ouvindo música na adolescência, de fones, reclusa num mundo particular mas sem portas para fechar. Tirar cochilos após o almoço quando a vida já não nos dá mais tempo nem pra isso. Ler sem se preocupar com a hora. Sentir o frescor no vai e vem do balanço no verão e no inverno. Contemplar a paisagem de pernas pro ar.
Já pelas bandas de cá parece artigo de luxo. Nem o nome é original. Amaca, hamaca, hammock, hamac, hamak. É como chamam nos diferentes idiomas europeus. Ninguém diz rede. Rede, pensa só. Um emaranhado feito de gente.
Por aqui se compra em loja, não na beira do mar. Se amarra em pedestal, não na parede. Quando na parede, tem que enjambrar. Por aqui, nunca vi gancho pra rede. Já procurei, ninguém sabe o que é. Igual batatinha palha. Deve ser coisa nossa mesmo. Uma batata feita pra jogar em cima de tudo quanto é comida. Um gancho feito especialmente pra pendurar rede.
Agora vim parar há poucos quilômetros de casa, num lugar cheio de memórias de outra pessoa. Tamanha foi a surpresa quando a vi suspensa no ar, balançando levemente com a brisa que assoprava. Um convite para sentar.
Listrada. Limpa. Seca. Desregulada. Sem nó nas pontas. Sem história nenhuma.
Descobri ser igual a que uns amigos tem no Canadá. Mesma cor, mesmo padrão. Nem franjinhas pra enfeitar. Produção em série de país que não conhece bem verão, deve ser isso.
Pouco importa. Quem resiste a este aconchegante embalo? Minha menina gostou. Não quer mais sair. Dorme dia e noite feito um anjo nesse balancê balancê. Deve sentir o gosto da outra casa que ainda não teve a oportunidade de conhecer, mas já carrega dentro dela.
E eu continuo a colecionar boas lembranças nesse vai e vem.
A casa, em questão, fica na beira do Lago di Annone, a poucos minutos de Lecco e Como (onde o George Clooney tem casa, mas infelizmente, nunca esbarrei com esse vizinho). Desde que nos mudamos para Itália, nossas viagens em família são para lugares mais isolados e perto da natureza. Dizem que essa será uma das novas tendências de viagem pós pandemia. Aproveito e deixo três relatos de experiência em lugares pouco habitados: Cervatto, Dolomitas e Conchillas.
Essa foi minha primeira experiência pós lockdown (desde março de 2020) e a primeira mini viagem com minha filha. O trajeto, devo dizer, vale uma crônica à parte: uma mãe cansada dirigindo enquanto canta alto pro bebê dormir ao som de ruído branco, choro intenso e cachorro a ponto de uivar. Mas sobrevivemos. E já estamos prontos para novas aventuras! Devidamente vacinados e mantendo todos os cuidados — máscara, álcool em gel e distanciamento. E por aí, como vai?
Quanto a rede, fiz caber na sacada de casa. Vocês não imaginam do que uma mãe é capaz para fazer um bebê dormir.
Coisas para fazer no embalo da rede
Enquanto nos despedimos da pandemia (é o que esperamos fortemente)
▶️ Ouvir o episódio do podcast 451 MHz com Amyr Klink falando sobre sua experiência vivendo 100 dias dentro de um barquinho a remo em 1984 e recluso em casa em 2020. Vale também ler o livro Cem dias entre céu e mar, onde ele conta sobre essa jornada corajosa.
📖 Ler A Arte de Viajar, de Alain de Button (fundador da school of life). Uma reflexão sobre as motivações que levam o viajante a abandonar o conforto do lar para enfrentar o desconhecido. De longe, meu livro preferido sobre o assunto.
🧠 Entender os impactos que a pandemia causou em nossos cérebros, neste artigo da BBC. Se sente exausto, sem vontade e estressado? Saiba que a maioria das pessoas andam com a mesma sensação. Por aqui, devo admitir, a rede vem trazendo um pouquinho de leveza para esse momento.