Seus olhinhos piscavam na velocidade do bater de asas de uma borboleta. Era pequena demais para entender que mãos também serviam para proteger da luz. Na verdade, nem imaginava que as possuía. Tampouco que era uma pessoa só.
Fui logo cobrindo a janela do carro com uma manta improvisada para a proteger dos raios de sol que refletiam em seu rosto.
Era assim que meus pais faziam nos anos 90.
Me lembro até hoje das nossas viagens de carro nos fins de semana. Eles abaixavam os bancos de trás e o porta malas virava uma suíte para duas crianças dormirem. Cobertores, travesseiros, o balanço da estrada e o reflexo dos faróis na escuridão.
Dentro do carro do meu pai não existia tempo ruim.
Se a viagem fosse longa, a gente criava brincadeiras para driblar as horas como cantar uma música com uma palavra. Tínhamos a impressão de que ele inventava muitas delas. Quando chovia, nossa diversão era observar as gotas de chuva que corriam no vidro e apostar qual chegava primeiro.
Minha mãe era sua fiel copiloto.
O guiava usando um mapa rodoviário de papel e seguindo as placas, já que na época não existia smartphone, muito menos google maps. Se surgia uma dúvida, o posto de gasolina na beira da estrada era o melhor centro de informações.
Era uma ávida curiosa por novos destinos.
Todo mês, ao pegar a correspondência, ela voltava com um exemplar da revista “Viagem & Turismo” e me mostrava os tantos lugares bonitos que existiam no mundo. Na época eu não tinha percepção sobre distâncias, apenas que alguns lugares eram perto e alguns eram longe.
Quando minha avó faleceu, me deram a notícia que ela tinha “ido para muito longe” e eu achei que ela simplesmente viajara de avião, porque só assim era possível chegar lá longe.
Próximo aos anos 2000, saímos do chão. Vimos as cidades se tornarem maquete, procuramos os ursinhos carinhosos por entre as nuvens e aprendemos a amenizar a pressão nos ouvidos enchendo nossas bochechas de ar.
Mas ao colocar os pés em terra firme logo voltávamos para um carro — agora com cinto de segurança e não mais cama no porta malas — para explorar qualquer cantinho fora do mapa.
Juntos descobrimos belas paisagens no Sul do Brasil, cidades fantasmas no Uruguai, vivemos desventuras linguísticas na Rússia, caminhamos pelo lugar mais ocidental da Europa, considerado antigamente como o fim do mundo.
Construímos nossa longa estrada de memórias.
Agora sou eu quem sento no banco do motorista. O marido, ao lado, me indica o caminho pelo GPS do celular. A filha aproveita o passeio segura em sua cadeirinha, protegida dos raios de sol.
É hora de criar novas histórias.
Juntos.
Até o fim do mundo.