Coroas de flores, canções tradicionais, danças, banquete e um sol que nunca se põe. Os suecos chamam isso de midsommar, o solstício de verão. Em um país onde o frio impera, há de se celebrar a chegada dos dias quentes.
E eles chegaram mesmo. Os dias quentes. O céu sem nuvens. O sol alto e radiante até as dez da noite. O calor.
Após pouco menos de uma semana em que os termômetros marcaram entre 27°C e 29°C — a máxima temperatura até então — me convenci que, de fato, o verão chegara para ficar. Reorganizei o pequeno armário da minha filha, deixando a disposição as roupas frescas herdadas da prima brasileira e guardando nas gavetas as peças de manga comprida.
Mas São Pedro, esse danado, não pode ver uma mãe realizar a grande façanha de encontrar tempo para organizar coisas. No dia posterior, resolveu voltar a programação normal sueca. Toma aí, máxima de 22 graus, céu nublado e vento frio. Pode desengavetar as roupas longas, ou vai querer cuidar de criança com pneumonia?
Não me surpreendi. Aconteceu exatamente a mesma coisa na “primavera” (assim mesmo, entre aspas).
Era abril. O sol brilhava. Os termômetros marcavam mais de 10°C por algumas horas do dia e as primeiras flores surgiam pelo caminho. Havia guardado meu par de botas, o gorro e as luvas e já ousava sair de manga curta por debaixo da blusa de lã e apenas um par de meias nos pés. Tinha tirado do carrinho do bebe o åkpåse — uma espécie de capa que cobre e aquece a criança do frio.
E justo no outro dia, ela reapareceu. A neve. Em plena primavera. Não aquela que atola carrinhos, mas aquela que cai forte junto com uma ventania, entra nos olhos, gruda na jaqueta, derrete e te banha. A escuridão volta, você acha que são dez da noite, são apenas três da tarde. E quando você consegue abrir os olhos novamente e enxergar o bonito gramado submerso em tom branco, o sol cobre a cidade revelando as raras flores roxas, aqui e ali, as primeiras a nascer. Em seguida, tudo se repete.
Foram longas semanas de uma primavera inconstante e invernal. Já estava certa de que São Pedro tinha tirado férias e deixado um bebê cuidando da torre de controle climático, apertando em todos os botões ao mesmo tempo só para ver o que acontecia: chuva, neve, escuro, sol, vento, chuva, neve, 0 graus, 10 graus, tudo dentro de uma hora. Nada novo para quem cresceu em Criciúma, acostumada a tirar jaqueta, colocar jaqueta feito Daniel San em Karate Kid.
Ao viver aquela primavera outonal, lembrei da primeira viagem à Holanda com minha mãe. Era fim de outubro. As últimas folhas secas ainda restavam sob as árvores e o céu se pintava de cinza. Decidimos pegar um trem de Amsterdam para Lisse, a cidade com o famoso parque das flores dos cartões postais. Devia ter notado a cara espantada do vendedor de bilhetes. Chovia e tudo que tínhamos em mãos era um panfleto em holandês com fotos daquele belíssimo lugar coberto de pétalas coloridas e moinhos de vento.
Fomos as únicas a descer na cidade. Paramos num centro de informações turísticas, abrimos o panfleto e apontamos para aquele cenário policromático. Perguntamos a atendente que rota deveríamos seguir para chegar até lá. Ela nos olhou atônita, mas percebeu, pelo nosso entusiasmo, que não era mentira. A gente estava ali para ver as flores. Mesmo.
Pois as flores, obviamente, brotavam apenas entre abril e julho — a época quente. Não desanimamos. Devia ter algo a mais para ver ali, pensamos, esperançosas. Não tem mais nada aqui. Na-da. — a mulher respondeu, dando de ombros, sem fazer o menor esforço para recomendar um restaurante que fosse. Comoção alguma por aquelas duas viajantes perdidas.
Decepcionadas, rindo da nossa ignorância de turistas sem planejamento, vimos os grandes moinhos de longe e voltamos para a capital com o total de zero fotos e as roupas encharcadas. Afinal, era outono. Nessa época não brota flor do chão, mas água do céu.
E como dizem os suecos: não existe tempo ruim, apenas roupas ruins. (Det finns inga dåliga väder, bara dåliga kläder).
Pois se no inverno os termômetros chegam a -15°C, as crianças deslizam felizes na neve andando feito pinguim com mini macacões impermeáveis. Se a primavera custa a dar as caras, tem quem não dê a mínima para a neve, a chuva, o sol ao mesmo tempo, e coloca a melhor roupa de meia estação — afinal os dias começam a se alongar. Se o verão não passa de cinco dias de um calor “escaldante” de 29°C, os suecos colocam sua roupa de praia e vão pegar sol na rua, na chuva, na fazenda.
Celebram os dias claros. Os dias que não acabam. Os dias onde a escuridão não mais existe, literalmente. Não tem cortina que resolva. A claridade invade os cômodos as duas da manhã nos convidando a viver.
E a gente vai. Com a roupa que der. Afinal, não existe tempo ruim.
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🗒 A Amanda (quero dizer, Sonu) escreveu um dos melhores textos que tive o prazer de ler nos últimos meses. De forma cômica e reflexiva, Sonu (digo, Amanda) conta sobre voltar a morar em seu país depois de passar três anos vivendo com seu filho pequeno na Nova Zelândia por conta do Covid. A Amanda Palmer me pediu para compartilhar (e quem sou eu pra dizer que não?!), então deliciem-se com essa leitura: