É como um espelho estilhaçado em pedaços miúdos, onde você não consegue se enxergar. Ou então um mergulho em águas profundas sem tempo para pegar ar. É como se o mundo lá fora tivesse parado. Ou foi a gente que parou?
Para algumas passa em poucos meses. Para outras em alguns anos. Para mim foram dezenove meses. Submersa. Tropeçando nas lascas no chão. Parada, não. Ficar parada não era opção.
Daí, um belo dia, ela começou a caminhar sozinha, evitando segurar na minha mão. Começou a falar e repetir o que ouvia, em línguas que mal entendia. Começou a dar tchau na porta da escolinha sem nem olhar pra trás. Alcançou a altura do espelho enquanto lavava as mãos no banheiro. O espelho intacto em que se enxergou. Neném. Em que me enxergou. Mamãe.
Comecei a juntar os caquinhos do meu próprio espelho.
Aos poucos.
O café volta a ser quente. A refeição acontece na hora planejada. O corpo volta a ser próprio. As noites são de silêncio. As madrugadas…bem, as madrugadas ainda são intensas.
Nadei em direção a superfície.
Que gente é essa? De terninho, falando bonito, mostrando serviço, sorrindo pra câmera, maquiagem no rosto, salto no pé, tempo pra si. Não me exergo ali. Aposto que dormem a noite.
Me enxergo na minha mãe, na minha tia, na minha avó. Compreendo, agora, todo o esforço para se fazerem presente. A vontade de pegar na minha mão nos primeiros meses. Não é fácil encarar tudo sozinha. Ao mesmo tempo que maternar ainda seja um ato muito solitário.
Me enxergo no pai que passeia pela rua com o filho e o cachorro, na mãe que amamenta um enquanto lê história pro outro na sala de espera do hospital, na mãe suja de areia no parquinho, no pai gargalhando ao ver a filha dançar na escolinha. Me enxergo nos amigos que agora são família, de culturas diferentes mas com algo em comum: filhos.
Eles, que chegam derrubando todas as nossas certezas. Tão frágeis e indefesos, tão fortes e revolucionários. Despertam nossos santos e demônios. Mudam tudo, do dia pra noite. Fazem noite ser dia. Rotina virar festa. Enxergam o extraordinário no ordinário.
Difícil voltar ao mundo real de adulto quando no mundo dela a gente não tem hora nem lugar específico para dançar. Ela pega na minha mão e me convida a parar tudo. Porque tá tocando aquela música and I say heeey, what’s going on! e ela me diz Hej! Hej! com um sorriso inocente, os olhinhos franzidos, a mãozinha que chacoalha no ar.
Aos poucos vejo meu reflexo renascer em meio as fissuras do meu espelho.
Me reconheço.
Diferente.
Ainda um pouco perdida.
Mas muito, muito, (mais) potente.
Pô Nike, esse texto alugou muito a minha cabeça, volta e meia eu paro e reflito sobre ele.
Nike e o seu dom de transmitir sensação mesmo para quem não tem como ter ideia do que é (aqui ser mãe).