“Puta! puta! puta! puta! puta!”
Gritando de alegria, a avó corria pelo parquinho em direção ao balanço, onde sua neta a esperava para ser empurrada.
Ao lado dela, eu continha a quinta série que habita meu interior, num riso inibido. Minha filha observava a cena com naturalidade, “olha mãe, a vovó tá indo empurrar a menina no balanço”, ela me explicava.
Mas tudo o que eu ouvia era alguém exclamando “puta” — no bom e velho português — em meio a um bando de crianças serelepes.
Dias depois, minha tia-avó quase caiu pra trás durante uma ligação com sua sobrinha-bisneta. A dúvida era simples: como se dizia, em sueco, para um amiguinho não empurrar o outro?
— Inte puta!
— O quêêê?! — ouvi ela soltar, escandalizada, do auge de seus mais de noventa anos e de sua experiência como professora de língua portuguesa.
— Inte puta! É assim que fala. — insistia a criança, sem entender o porquê de tanto alarde.
Mas no velho ditado “quem ri por último, ri melhor”, eu ri primeiro. Quando percebi, soltei um “puta” em meio aos coleguinhas e professoras da escolinha. Não o puta em sueco — empurrar. Puta de puta mesmo.
Em minha defesa, eu estava falando em português com minha filha. Mas a quinta série também habita professoras suecas, que ouviram meus dizeres no bom e viking sueco. A diferença é que ninguém riu. Desviaram o olhar e fingiram costume, como é de praxe para este povo.
Só me dei conta do ocorrido no dia seguinte. “Putamerda! Falei fitta1 na frente das crianças de três anos!”
Minha filha estava numa fase de experimentar suas artes com fita adesiva — também conhecida como durex no Brasil. O problema é que Durex, na Europa, é nome popular para camisinha. Portanto, para evitar confusões, chamava apenas de "fita" que, pro meu azar, significa put…bem, você já entendeu meu ponto.
Desde então, 'fita adesiva' foi oficialmente substituída em nosso vocabulário cotidiano pela palavra sueca tape.
Outras palavras também tiveram que se adaptar à nossa localização geográfica.
Nossos cachorros entendem comandos em italiano por uma questão de sobrevivência. Afinal, não me parecia de bom tom sair pelas ruas de Milão proclamando "bucet*” toda vez que o cachorro precisasse ficar parado.
Nos mudamos de um país onde se encontra “fica” em clubes noturnos para maiores de idade, para outro onde pipoca “fika” em tudo quanto é cafeteria.
Não à toa, o primeiro italiano que conheci na Suécia quase caiu pra trás de sua cadeira, tal qual minha tia-avó, quando nosso gerente resolveu pausar a reunião às duas da tarde para oferecer-nos fika.
O italiano se decepcionou em dobro. Fika era apenas um café com um doce. E o café era ruim.
— Mãe, xexeca não é linguagem de salão2, né?
— O que é linguagem de salão?
— É a língua que os trols não usam, mãe. Eles são rudes, então falam de um jeito grosseiro, não usam linguagem de salão.
— Ah, então acho que xexeca não é mesmo.
— Também acho, mãe. O certo é pepeka.
Linguagem de salão. Das tantas questões que um livro de Tolkien podem aflorar na cabeça de uma criança, jamais imaginaria que ensinar o que é um palavrão seria uma delas.
Puta. Fitta. Cu. Fica. Merda. Nenhuma dessas palavras é comprida o suficiente para explicar a uma criança o porquê de a chamarmos “palavra grande”.
Paralelepípedo — isso sim é um palavrão.
Então, graças ao bom e velho Bilbo Bolseiro (mais conhecido como O Hobbit) minha filha nomeou as palavrinhas indiscretas de parola3 troll.
— Mãe, por que o papai chama o ânus dele de cu?
A quinta série que habita em mim riu descaradamente. A menina me olhava intrigada. Ela esperava respostas.
— Cu é uma palavra xula.
— O que é xulo?
— Não é linguagem de salão.
— Ah, então eu não posso falar cu na escolinha, né?
— Exato, filha. Quer dizer, na verdade pode, porque cu4 em sueco é vaca.
— Então eu posso falar cu na escolinha mas não o cu que eu falo em casa, né? E eu posso falar cu em casa, mas não na frente de outras pessoas, né? Mas e se forem suecos, daí pode falar cu? Mas não o cu de ânus né? Só o cu de vaca. Mas como chama em sueco o cu em português? E também tem a letra Q que se diz cu! Daí pode falar cu na escola, né?
E foi assim que a quinta série que em mim habita não só aprendeu que quem ri por último ri melhor, mas que quem ri primeiro toma no c…
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“Fitta” é literalmente “bucet*”, mas também pode ser interpretado como “put*” dependendo do contexto.
“[...] eram trols. Obviamente trols. Até Bilbo, apesar de sua vidinha protegida, conseguia ver isso: as caras grandes e pesadas deles, e seu tamanho, e a forma de suas pernas, para não falar de sua linguagem, que não era uma linguagem de salão, não, de jeito nenhum.” — O Hobbit, p. 60, J.R.R. Tolkien (Edição de 2019 pela Harper Collins).
Aqui ela decidiu usar a língua italiana “parola”, que significa “palavra”.
Em sueco, vaca se escreve “Ko”, mas se pronuncia “cu”.
assim, nunca pare com esses relatos
Hahahaha é aqui em portugal que bunda pode ser rabo OU cu. Avisei muito para não falarem cu no Brasil. Quase morro. Fazer bico é fazer sexo oral. Só desespero.